terça-feira, 29 de junho de 2010

LIVROS NUM HOTEL












Ao passar na ponte Oberbaum numa noite de Junho em Berlim um neon chamou-me a atenção: «I Feel so funny... is this real life?». Frase muito apropriada para mim e para aquela cidade. Mas a passagem era isso mesmo, uma passagem, afinal era uma ponte e nas pontes não se permanece. A noite de Berlim estava à nossa espera. Claro que tirei fotografias, uma frase daquelas não pode ficar apenas na memória, tem que ficar impressa. Só então reparei que o neon estava fixado na fachada de um Hotel.
Já em Lisboa resolvi pesquisar o Michelberger Hotel, proprietário daquela literatura peculiar. Existem livros naquele Hotel. Livros espalhados por todo o lado, livros que forram as paredes. Afinal, até numa passagem alguma coisa fica: basta estar atento e uma frase desperta-nos para algo novo.

(viagem produtiva: aquisição de dois Hóteis, um deles do Dylan Thomas).

domingo, 4 de abril de 2010

Hoteis Perdidos

Esta coisa compulsiva de estadias em hoteis nos livros leva muitas vezes ao desejo de solicitar a alguns escritores que escrevam alguma coisa, por pequenina que seja, que tenha a palavra hotel no título. Infelizmente o Paul Auster nunca escreveu nenhum livro em que a palavra mágica apareça (mais sorte tem a minha amiga Patrícia - a palavra dela é vermelho e sempre tem "O Caderno Vermelho"), mas ainda vai a tempo.
Mas, e aqueles que já não escrevem mais? Existem por aí muitos hoteis dentro de livros que nunca serão escritos.
Dino Buzzati nunca escreveu um livro com a palavra hotel no título, o que é lamentável. Mas podemos sempre imaginar "O Hotel do Deserto dos Tártaros", em que a fortaleza não mais é que uma estância turística decadente, onde almas perdidas vão em busca de algo ou em busca de se perderem ainda mais.
Oscar Wilde também não hotelou, e ele saberia fazê-lo melhor que ninguém. Na terra do faz-de-conta, o fantasma do Hotel dos Canterville" é uma assombração que atormenta a vida aos hóspedes americanos de um clássico hotel inglês.
Gregor Samsa bem podia ter acordado transformado num enorme insecto num quarto de hotel. Se formos ver bem as coisas, bastava que Franz Kafka tivesse adiado a metamorfose por um dia.
Estranho exercício este de enfiar hoteis nos livros.





domingo, 14 de março de 2010

I remember you well in the Chelsea Hotel...

Não, não é livro, é o primeiro verso da canção do Leonard Cohen "Chelsea Hotel N.0 2". Mas como tudo o que escreve o homem é poesia, também vale.
O Chelsea Hotel em Nova Iorque é o hotel mais literário do mundo. E não só. Não me venham falar do Hotel de Las Letras em Madrid e de outros dentro do mesmo género. Têm o seu charme mas, comparando com o Chelsea, são coisinhas para turista ver. Como o Chelsea Hotel não existe outro.
Infelizmente só lá fui uma vez e fiquei-me pelo lobby. O edifício, lindo, impressiona. A fotografia que vêm neste blogue é de um pormenor da fachada tirada no dia em que lá fui (pela minha amiga Paulinha em Julho de 2008). Só de ver o cartaz a apelar ao regresso dos bardos dá logo vontade fazer a mudança e instalarmo-nos num dos quartos. E depois a entrada e a recepção, as obras de arte ali atiradas ao acaso e a cena mais insólita que assisti numa recepção de um hotel. Um homem novo, certamente para fazer o check-out, chega-se à recepção levando apenas na mão uns ténis velhos e imundos. A única bagagem. Um personagem. A partir deste ponto qualquer história é possível e a caneta voa. Nada mais natural, aquele é o hotel onde todas as coisas acontecem.
A arte converge toda para dentro daquelas paredes. Não tenho qualquer dúvida que até os ténis do sujeito, durante a estadia, terão escrito um livro, composto uma música ou pintado um quadro. Ou simplesmente divagado sobre a vida ou vivido a divagar, também formas de arte ou, pelo menos, o seu ponto de partida. Criatividade sob todas as formas, ou não fosse aquele o lugar onde dizem que o Sid Vicious matou a Nancy, o Charles R. Jackson se matou e o Dylan Thomas saiu dali para morrer no hospital depois da sua última bebedeira. Até a morte ali parece criativa.
Por outro lado, foi ali que Arthur C. Clarke escreveu o "2001, Odisseia no Espaço". Já é motivo mais que suficiente para venerar o espaço. Poderia eu enumerar os que por lá passaram e/ou viveram? Podia e posso só alguns para aguçar o dente a uma estadia: Mark Twain, Dylan Thomas, Arthur C. Clarke, William Burroughs, Arthur Miller, Gore Vidal, Jack Kerouac, Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre, Thomas Wolfe, Charles Bukowsky, Leonard Cohen, and so on. Quem não quer conviver com as paredes que conviveram com toda esta gente?
Um dia ainda lá vou novamente. E desta é mesmo para ficar e escrever ou simplesmente para esperar que os bardos cheguem.
That´s all, I don't think of you that often...

(Pequena nota: a referência a Bard na fotografia não é uma referência literal aos bardos mas sim uma referência a Stanley Bard, o mítico manager do hotel desde tempos imemoriais e que foi destituído em 2007. Até nos protestos ali se consegue ser criativo)

domingo, 7 de março de 2010

Estadias prolongadas

Todos temos uma missão na vida e a minha consiste em ler todos os livros de ficção cujo título inclua a palavra hotel. Como todas as coisas que são realmente essenciais na vida, a minha missão começou por acaso. Calhou, há muitos anos atrás, ter feito duas estadias literárias prolongadas em dois hoteis. O primeiro foi o "Hotel New Hampshire" do John Irving e, logo de seguida, o "Hotel Lusitano" do Rui Zink. Tendo achado piada à coincidência pensei que seria giro ler todos os livros de ficção em que o título tivesse a palavra hotel. Anos volvidos, ainda continuo a coleccionar hoteis literários.
Nunca pensei na história como se fosse uma missão, um caminho que forças sobrenaturais me impunham, um objectivo de vida. Bem vistas as coisas, tudo não passa de uma brincadeira, um pequeno delírio experimental literário que, sobretudo, me diverte. Até ao dia, neste recente Novembro, em que estava na "Strand" em Nova Iorque com a minha amiga Patrícia. Estávamos entretidas a ver os livros nas infindáveis estantes quando o meu olho clínico se depara com um hotel desconhecido (Wawona Hotel de Matthew McKay), bem no cimo das prateleiras. Como não lhe chegava pedi que mo passasse e expliquei-lhe a mania que me assola. E foi assim que ela constatou o facto - eu tenho uma missão.
Seja missão ou simplesmente um hábito parvo, o certo é que faz pensar um pouco. Se tivermos que escolher um tema, uma palavra que seja para a nossa vida literária, qual escolheríamos? Essa foi, então, a grande questão daquela noite entre nós, sentadas à mesa de um restaurante etíope que eu não recomendo (a não ser que se esteja de bom humor, como era o nosso caso). A Patrícia também queria uma missão literária e tínhamos que escolher a palavra dela. E toda aquela discussão fez-me pensar na minha opção tomada sem ponderação de espécie alguma há muitos anos atrás. Porquê hoteis?
Hotel é uma boa palava. Gosto muito de hoteis porque, tal como os aeroportos, conseguem reunir o mundo inteiro num pequeno espaço. E como espaço literário tem potencialidades sem fim. Atrás de qualquer porta de quarto de hotel escondem-se milhares de histórias. Cada empregado que circula pelos corredores, recepção, bar e restaurante carrega outros milhares. Quantas vezes já nasceram livros da combinação entre papel, caneta e um quarto de hotel?
Afinal, a minha escolha estava certa.

sábado, 6 de março de 2010

Os livros existem à medida de todos os nossos desejos. Livros onde queremos prolongar a nossa estadia nos dias de Verão, livros que só lemos no Inverno. Livros só para passar uns dias ou um fim de semana prolongado. Livros onde paramos só para descansar um pouco ou para beber um copo com amigo. Livros baratos e sujos, livros de luxo, com prendinhas e mimos. Livros de fachada enganadora e livros de conteúdo surpreendente. Existem hoteis dentro dos livros.